terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Os preparativos para as grandes navegações portuguesas

(Partida da Caravela Bartolomeu Dias em Lisboa 08/11/1987 recriando a odisseia do navegador português)

Construir uma nau capaz de alcançar a Índia no século XV custava o equivalente a 326kg de ouro, a quantia suficiente para adquirir 1.300.000 escravos africanos. Por ter um custo tão elevado as viagens em busca das especiarias orientais geralmente eram custeadas pelo Estado com a participação dos funcionários mais graduados da embarcação garantindo que seria responsavelmente comandada.

As caravelas que aportavam na África e mais tarde as que seguiriam rumo às terras brasileiras eram bem menores, custando em torno de 75kg de ouro, por isso eram construídas por particulares que pagavam tributos a coroa para explorar o além mar.  As grandes viagens portuguesas costumavam render um lucro de praticamente 24.000%, por outro lado no caso de naufrágio tudo era perdido, o que levou muitos investidores a loucura ou suicídio.

A indústria naval portuguesa era um monopólio da Nação. Embora os navios fossem construídos pelas mesmas mãos cada um deles tinha uma particularidade, lembrando que eram produções completamente manuais. A construção das naus poderia levar de alguns meses até anos para ser concluída e seguia alguns procedimentos comuns encontrados em manuais da época. Com o passar do tempo as madeiras adequadas se tornaram escassas o que levou a confecção dos barcos em outras possessões portuguesas, como o Brasil, no estaleiro de Salvador, por exemplo.

Conseguir a tripulação necessária que variava de 60 homens até 900 dependendo do porte da embarcação era um pouco complicado. O medo dos naufrágios, a grande taxa de morte em alto mar e as dificuldades do dia a dia embarcado afastavam muitos homens dessa profissão. Tanto que a maioria dos cargos eram preenchidos por degredados e crianças. Chegando ao ponto de sequestrar homens na calada da noite para embarca-los forçadamente.

No inicio das grandes navegações os altos postos das caravelas eram ocupados por homens experientes, mas com o passar do tempo quando estes conquistaram o direito de embarcar peças de seu interesse nos navios a procura acabou aumentando e a coroa começou a vender estes cargos à nobres, como era de se esperar os membros da nobreza não tinham conhecimentos técnicos para conduzir as naus e, geralmente, acabavam provocando acidentes fatais.

Após ter a tripulação formada os navios eram ancorados e preparados para a viagem. O abastecimento dos gêneros de necessidade era feito pelo armazém real e durava em média cinco dias. Na hora do embarque era feito a chamada dos alistados que deviam se apresentar enquanto a família acenava do cais na tentativa de evitar o embarque de espiões e intrusos, feito isto, a aventura começa.

Para a Índia, geralmente, seguia um único barco com grandes dimensões e suporte bélico para combater piratas em busca das raras especiarias a serem comercializadas. À Africa seguiam diversas embarcações em busca de matéria prima e mais tarde homens a serem escravizados nas Américas. Enquanto que para o Brasil era comum a vinda de alguns barcos escoltados por navios de guerra procurando por riquezas naturais.

Maiores detalhes sobre os preparativos para as grandes navegações portuguesas podem ser encontrados no livro: Por mares nunca dantes navegados do historiador Fábio Pestana Ramos.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O cotidiano português durante a Idade Média

(Fonte desconhecida)

O cavaleiro francês, D. Afonso Henrique, recebeu o condado portucalense para protegê-lo das invasões mouras, assim, durante a Guerra da Reconquista, recuperou parte da península ibérica do domínio muçulmano. Seu primo, D. Raimundo, fracassado nessa missão, ficou com as terras mais ao norte que hoje compõe a Espanha. Pressionado ao norte por seu primo e ao sul pela expansão muçulmana, D. Henrique não encontrou outra saída a não ser unir seu povo em torno de um governo centralizado e forte, dessa forma foi criada a primeira monarquia da história. Da criação do reino até o inicio da expansão marítima o povo português passou por situações bem interessantes, como:

Os feudos empobrecidos assistiam a fuga dos servos para a cidade. As terras não rendiam o suficiente e os castigos físicos nos pelourinhos eram humilhantes, enquanto isso as vilas ofereciam novas oportunidades no comercio das especiarias.

A baixa nobreza que perdia seus servidores para os centros urbanos, sobre tudo para a defesa do país e a crescente indústria pesqueira não conseguia mais arcar com seus impostos e passava a viver sobre a custódia do rei aumentando as despesas governamentais.

A coroa criou leis para evitar a fuga dos serviçais, mas ao mesmo tempo fazia vistas grossas ao fato porque necessitava desse contingente de mão de obra para preencher as vagas nos estaleiros e navios.

As crianças eram vistas como animais de estimação até os sete anos, não existia a concepção de infância, e poucas sobreviviam a esta idade. Afim de se livrar dessa boca para alimentar muitos pais humildes mandavam seus filhos à trabalho para as embarcações.

A população pobre vivia na parte baixa da cidade em meio a todo tipo de sujeira que escorria pelas ladeiras. Todo e qualquer tipo de lixo era jogado pelas janelas por isso era comum o uso de capas com capuz, só assim se evitava ser atingido por algum excremento de pinico.

O banho era visto como uma ameaça ao corpo por infiltra-se no organismo, logo não era um hábito cotidiano. No inicio era visto como pecado por ocorrer de forma comunitária em grandes tinas, mais tarde nas casas de banho (banheiros) cada membro da família tomava seu banho sozinho, embora todos usassem a mesma água.

A higiene intima era precária. A vergonha de expor as roupas nos varais levava muitas senhoras a usarem as vestes por meses sem lavá-las. Algumas pessoas não lavavam pelo simples fato de ter uma única peça para vestir.

As necessidades fisiológicas eram feitas nos cantos das casas, em pinicos ou em salas próprias para isso compostas por uma tabua com perfurações onde as pessoas sentavam-se uma ao lado das outras e conversavam durante o processo. A tabua ligava os excrementos a uma vala ou ao próprio quintal da residência.

A alimentação da população pobre se baseava em pães repletos de barro, pois não havia o habito de joeirar o trigo antes de moer o grão. E a higiene bucal após as refeições era feita com enxágüe d’água ou de xixi, no caso dos mais exigentes.

O consumo de carne bovina, ovina e suína era uma raridade, já as aves eram cultivadas em pequenas propriedades, mas só alcançavam as mesas da nobreza em ocasiões muito especiais. Os pobres, por sua vez, podiam caçar nos bosques senhoriais caso desejassem tentar a sorte em busca de carne para alimentar sua família, mas a taxa a ser paga era muito alta.

Em publico as moças solteiras podiam mostrar parte do cabelo e do colo, as casadas já deviam ter um maior recato, enquanto que as viúvas deveriam se cobrir dos pés a cabeça semelhante a uma freira. Dentro de casa todas elas vestiam somente uma saia e um blusão para evitar o desconforto dos espartilhos e anáguas.

As mulheres mais pobres usavam roupas mais simples, com tecidos grosseiros e ausência de jóias. As prostitutas e marginalizadas vestiam-se de modo a esconder sua vergonha através de um véu que cobria seu rosto. Homens casados utilizavam uma capa para mostrar seu estado civil que o impedia de ser alistado pelo exército.

Somente homens nobres podiam usar do privilégio de cavalgar em meio à cidade. As damas mais abastadas geralmente eram carregadas em liteiras. Os que podiam pagar pelo serviço desfrutavam da proteção de um guarda sol carregado sobre si durante os passeios.

Hospitais e igrejas eram muito comuns, mas nem tanto quanto os prostíbulos. O medo de contrair doenças afastava alguns clientes, mas recusar o convite de um nobre para estar com prostitutas era uma verdadeira ofensa. Os marujos recém chegados de longas viagens eram sem dúvida os mais interessados nesse serviço.

Vender o corpo era a maneira mais comum das mulheres pobres conseguirem uma renda. A mulher portuguesa era visto como ideal de beleza na Europa. Os maridos quando viajavam deixavam suas esposas sobre os olhares de um religioso para evitar o adultério, hábito comum numa sociedade onde os homens passavam meses em alto mar.

Se a mulher mostrasse a face para um homem era sinal de paquera, tanto, que certa vez uma dama teve a cabeça pregada ao assoalho por seu marido por ter acenado a um transeunte que passava em frente a sua janela.

Nobres não eram condenados por estupro, nem adultério, além disso seu título facilitava o acesso aos conventos onde moças que estavam confinadas por desejo de sua família aguardavam ansiosamente a oportunidade de conhecer os prazeres da carne.

Esses eram alguns dos hábitos portugueses durante a idade medieval, costumes que seriam alterados drasticamente com o advento das grandes navegações. Os lusitanos se lançam ao mar no século XV e provocam uma verdadeira revolução no cotidiano social. Com as novidades alcançadas, sobretudo na Índia e no Brasil os portugueses vêem seu dia a dia mudar drasticamente. Mais detalhes deste período podem ser obtidos no livro que serviu de base para este texto: Por mares nunca dantes navegados de Fábio Pestana Ramos.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O Índio Colonial

(Maquete produzida pela aluna Maeli da Silva Vitorino do 7ºV/2014 sobre a tribo Terena, nativa do Brasil)

O livro: Guia politicamente incorreto da História do Brasil do jornalista Leandro Narloch trás em sua primeira abordagem uma figura tipicamente brasileira, o indígena. Entretanto Narloch rompe com a historiografia tradicional e utiliza novas abordagens para suas pesquisas. Suas leituras são de estudos posteriores ao ano 2000 e revelam um índio bastante diferente daquele exposto nos livros didáticos, ao qual ele chama de índio colonial. Vejamos por que.

O escritor aponta os erros cometidos pelas populações indígenas durante a colonização de nosso país e rompe com a convicção inicial de que foram apenas vitimas do processo, isentos de responsabilidade e participação. Cita acontecimentos registrados por historiadores renomados montando uma versão alternativa da história brasileira, mostrando os pontos inconvenientes antes ocultos pela tradição romântica que tornou o índio um ser mítico, inocente, em plena harmonia com a natureza e acima de qualquer contestação, praticamente um deus nacional.

As escolas nos mostram os indígenas completamente dissociados do convívio com os recém chegados do além-mar negando os registros que comprovam a intensidade dessa relação. Ainda em 1583 são criadas leis portuguesas proibindo os colonos de viverem nas aldeias em meio às festividades tribais. Em 1646 alguns padres jesuítas do Rio de Janeiro reclamavam da proximidade dos engenhos de cana de açúcar que propiciavam bebedeiras entre os indígenas. E no ano de 1755 muitos índios preferem abandonar a proteção das missões para viver entre brancos em vilas e engenhos.

As bebedeiras e festas envolvendo colonos e colonizados evidenciam que os confrontos não eram rotineiros, o escambo sim. Alguns como os indianos, não demonstraram interesse em trocar mercadorias com as tropas de Vasco da Gama por considerarem suas bacias, chapéus e azeites bastante primitivos. Mas em outros casos o interesse por produtos portugueses é tamanho que assusta o Padre Jerônimo Rodrigues que vê indígenas catarinenses oferecendo parentes em troca de roupas e ferramentas por volta de 1605.

O fato é que se houvesse solidariedade entre as tribos a conquista portuguesa jamais teria acontecido. Os colonizadores não eram onipotentes em terras estranhas, chegavam em dezenas portando um armamento lento e pesado enquanto os índios, que aqui estavam, eram milhões munidos de velozes flechas venenosas. Então como ocorreu a dominação? Simples, tribos rivais se uniram aos brancos durante as batalhas. Isso porque em pleno século XVI um tupinambá achava um botocudo tão estrangeiro quanto um português; lembrando que se trata de um país de dimensões continentais.

Com o colonizador vieram doenças desconhecidas e disputas territoriais, entretanto um isolamento social de aproximadamente 50 000 anos foi quebrado trazendo diversas inovações para o cotidiano americano como as técnicas de domesticação de animais, escrita, tecelagem, arquitetura em pedra, uso de metais e emprego de rodas. Anzóis, machados e facas metálicas diminuíram em até oito vezes o esforço pela busca de alimentos. A fauna e flora receberam novos componentes como coco, banana, laranja, tangerina, arroz, abacate, uva, jaca, manga, carambola, maçã, café, galinha, porco, boi, cavalo e cães.
  
Para que essas novidades alcançassem a costa o primeiro desafio era desembarcar das caravelas, os ataques as embarcações começavam antes mesmo que ancorassem como registrou Pero Vaz de Caminha em sua primeira carta a Portugal, ele relata que dois indígenas invadiram o convés da nau principal e começaram a provar novos gostos e observar novas tecnologias e animais exóticos. Enquanto africanos, asiáticos e europeus trocavam informações os americanos estavam completamente isolados e essa curiosidade acabou provocando um esvaziamento nas aldeias, muitos índios abandonaram seus costumes e migraram para os centros urbanos, o índio colonial.

Entre as informações trocadas entre as tribos brasileiras e os portugueses a mais marcante foi a permuta de dois hábitos. Os lusitanos descobriram o fumo e deixaram o álcool, costumes que ficaram no cotidiano dos dois países. A partir de 1750 quando os padres jesuítas foram expulsos do Brasil a proibição de brancos nas aldeias terminou, algumas delas foram transformadas em vilas e freguesias, algumas são cidades conhecidas atualmente, como Guarulhos, nesse momento a miscigenação se torna ainda mais comum dando inicio a exterminação indígena.

De 1500 aos dias atuais a população índigena foi reduzida em 10%, no entanto o número de brasileiros com DNA indígena aumentou mais de dez vezes. Algumas tribos do litoral, como os caiçaras, se misturaram pouco aos colonizadores, no entanto falam um segundo idioma e embora mantenham seus rituais já não se consideram uma população nativa. Desta maneira nosso país vai perdendo suas tradições aos poucos. O fundamental no texto de Narloch é analisar o quanto o próprio sujeito índio tem de responsável por seu “aportuguesamento”.

Os portugueses em sala de aula ainda são vistos como maldosos interesseiros, exploradores de riquezas e mão de obra, só que novas abordagens históricas já revelam que as tribos não eram tão conscientes com a natureza, muitas delas colocavam fogo nas florestas para cercar animais e começar plantações. Os jesuítas acabaram salvando a Mata Atlântica dessas agressões diárias quando trouxeram as técnicas de plantio aplicadas nas missões. Esse post é somente um resumo da obra de Leandro Narloch, a leitura do livro como um todo é fundamental, logo deixo a dica para todos os interessados no tema.

Sugiro que após a leitura você faça uma breve revisão de seus conceitos, pois como é possível perceber não existem somente heróis índios e vilões brancos, trata-se de um processo longo e repleto de controvérsias negadas nos matérias didáticos brasileiros. Nesse momento também é interessante fazer um apelo a nossos governos pra que resgatem a verdadeira história de nossas populações locais e valorizem suas tradições, algo tão belo não deveria ser menosprezado e esquecido, a desapropriação das aldeias na região onde será instalada a Usina de Belo Monte é um belo exemplo de ignorância e ganância que estamos assistindo bestializados sem qualquer esforço para conte-la, infelizmente. Eis o Brasil.